quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Aspirante

Texto antigo, um pouco cumprido mas umas das crônicas que mais gostei de escrever, nele tento descrever situações, tempos e lugares que não vivi, mas que me parecem tão vivos em minha mente, valeu.

Só para te falar...

Carlos, rapaz pacato, calmo, estudioso e casto, criado na rédea curta de dona Glória e Gal. Cavalcante.
Era comum ficar no intervalo da escola, sozinho, estudando as biografias dos grandes militares da história brasileira e latino americana. Ah Pinochet, este sim sabia conduzir uma nação, a despeito de um ou outro ovo quebrado, o omelete era bom, e o Figueiredo? Podia não ser um cavalheiro, mas era um grande cavaleiro?
De poucos amigos, mas valorosos, companheiros dos animados jogos de gamão e vinte e um aos sábados, Carlos tinha uma vida morna, com um grande futuro na escola militar e depois a carreira milíca, seguindo os passos de seu garboso pai, um dos braços direito do polvo Médici, tudo certo, garantido, era só ficar ali, acordar, café da manhã com os pais, escola secundarista semi-integral, passeio no Flamengo nos finais de semana, uma caminhada semanal no jardim botânico com o avô, sorvete Sem nome com o pessoal às sextas.
Mas a latência juvenil veio à tona quando, na porta do segundo ano do segundo grau, ele viu Maria Luiza, cabelos negros, lábios espessos, cintura de vedete, pernas bem torneadas, e os seios, ele nunca nem tinha pensado nesta parte da anatomia feminina, salvo às vezes que avistou o busto de Norminha, a empregada que o conhecia desde seus dez anos, mas estes eram diferentes, pequenos, lindos, cobertos apenas por  um sutiã completamente dispensável, tudo dentro de uma pequena ânfora de um metro e cinqüenta e oito, numa embalagem morena, diferente da maioria alva das adolescentes da classe média alta do Sacré Couer.
Naquela segunda feira, as aulas de biologia, história e álgebra não tinham gosto, o tempo todo se convergiu em adoração, quem era aquela pequena Iracema, não, nem mesmo José de Alencar conseguiria descrever a beleza mestiça e paria daquela pequena Helena fluminense?
Logo descobriu que ela havia nascido em Niterói, certamente era a mais bela jóia da contraparte carioca, morava com os tios numa quieta rua do Leblon, o que o forçou a mudar em três quilômetros o retorno para casa.
Logo os intervalos desprezaram os nobres militares e se dedicaram a admiração de Maria Luiza, seu  lanche predileto, suas colegas mais próximas, esbarrões quase acidentais, com direito a desculpas e a pegar os seus cadernos caídos.
Seus amigos logo perceberam a mudança, derrotas impacientes no gamão, os passeios de sábados mudaram para o Leblon, e nunca mais tomar sorvete às sextas.
Num dia de coragem misturada com hormônios, à pediu cola numa prova de história francesa, mesmo sabendo a resposta, infelizmente este não era o forte da ninfa, e com isso veio a primeira nota vermelha de Carlos, felicidade incrível, e daí que foi a Bastilha que caiu e não a torre Eiffel.
No final do segundo bimestre, estudavam juntos, para desespero dos amigos e dos pais, estaria o menino fumando o cigarrinho que os transviados usavam? Nada, era a paixão que o embriagava, já notara Norminha e Dona Glória, ambas riram e deram de ombros, não demorou para que convidassem a garota para um chá no sábado, afinal quem poderia desviar a atenção de um pretenso futuro ministro das forças armadas?
Tarde agradável para as moças e constrangedora para Carlinhos, sim era assim que ela o tratava, para deleite do rebento do Gal.Cavalcante.
A pele morena da menina denunciara sua origem humilde, o que trouxe a reprovação do pai.
Dona Glória argumentou com o marido:
Meu marido é só uma paixão de menino, logo entrarão em férias e isso esfria, o mandamos para os tios em Petrópolis e na volta ele já a esqueceu, é normal isso acontecer, afinal lhe dei um varão.
Mas Carlinhos tinha outros planos e entrou para o grupo de estudos das ferias de Julho,  afinal o que seria melhor para seu futuro? Sua pequena tramóia foi frustrada quando não a encontrou no primeiro dia do curso e descobriu que não estava inscrita.
O que fazer nas férias? Passeio no Flamengo nem pensar? Botânico com o avô, esquece? Em meio da falta de notícias de Maria Luiza, resolveu sair com os novos amigos do time de basquete, em três carros foram a Copacabana, onde ficaram toda à tarde admirando o vai e vem faceiro das cariocas, à noite Cláudio, uma espécie de mestre da traquinagem adolescente sugeriu uma ida a certa casa de tolerância, coisa fina, alto padrão, discreto até mesmo para seu pai, o célere Deputado Mascarenhas.
Para Carlinhos a idéia era um abismo de dúvida, estaria ele traindo seu coração vendo outras garotas? Suportaria ele a culpa de enganar sua namorada, apesar de somente ele saber que era enamorado?
Suando como um suíno ante o abate ele entrou numa casa na avenida Nossa senhora de Copacabana, bela casa com um quê de Belle Epoque, estatuas, abajures, lustres de bronze e tapeçarias francesas por toda a sala, um belo bar, balcão de nogueira certamente, e a atmosfera era como estar numa floricultura, mas nesta as flores sorriam para eles e falavam, nossa, são todos meninos!,  dentro de diminutas peças de renda e cetim, contrastando com a peles claras, negras, morenas, os cabelos ruivos, louros, castanhos, a mistura de sensações potencializada pela primeira doze de conhaque que tomará na vida, deixara nosso herói no estado letárgico, como os descritos pelos loucos de ópio do começo do século na Inglaterra, abraçado pelas cortesãs, sim ele era um espécie de combatente grego retornando da batalha.
Mas todo o império grego caiu quando sua Helena apontou no alto da escada, pouco vestida, com um salto que nada se parecia com o sapatinho do uniforme escolar, a écharpe de seda era demais para a pequena musa estudantil.
Carlinhos voltou diversas vezes aquele endereço, somente para olhá-la vestida como seus sonhos, nunca chegou perto, se mantinha anônimo como o Pierrot das marchinhas de carnaval.
A volta as aulas foi marcada pelo retorno das biografias dos ilustres militares, jogos de gamão e vinte e um, passeios no aterro Flamengo, jardim botânico, apenas o sorvete foi abandonado e substituído pelas tardes em Copacabana regadas a cerveja e whisky.
Hoje, capitão da reserva, Carlos espera sua patente de general, casado com uma bela e prendada mulher chamada Glória, uma bela filha chamada Maria Luiza que tem pretensões pela carreira militar.
Sua paixãO juvenil ser formou advogada e aspira um cargo de juíza.
Ainda hoje Cap. Carlos passeia todas as manhãs pelo Leblon.

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